Cemitérios sempre me encantaram pela paz que transmitem, pela arte que abrigam e por seu silêncio. Um silêncio repleto de histórias, é verdade, mas também cercado de um grande tabu: a morte.
Cercada de misticismo, crenças, adoração, medo e curiosidade, esta dama (sim, a morte é mulher e daquelas poderosas) é a grande inspiração, mesmo que inconsciente, de nossos maiores feitos, é nossa maior motivação. Afinal, o que seria da vida sem a morte? Sem a morte não haveria legado.
Entre o esquecimento e a memória, o medo e a adoração, cemitérios são ambientes convidativos ao imaginário, à apreciação e à reflexão. Fantasio sobre as histórias impressas nas lápides, sobre as fotografias onde seus personagens já quase não habitam e aprecio as obras erguidas in memoriam. Tropeço num pedaço de madeira que outrora foi uma cruz e hoje é o único vestígio de que ali alguém jaz.
Depois de muitas contemplações, reflexões e imagens captadas, durante a edição do Photoespaña em 2013, mostrei algumas delas para o fotógrafo Marcelo Schellini que me perguntou: “Você conhece a festa dos mortos no México?”. Eu não conhecia.
Meses depois, os caminhos do mundo corporativo me levaram a um período de férias que inicalmente incômodo, se fez perfeito: meados de outubro, início de novembro. Logo me lembrei do questionamento de Schellini e iniciei minhas pesquisas e planejamento. Estava decidido: ira ao México.
Em outubro de 2014 desembarquei em uma Cidade do México já colorida e povoada por altares floridos, Catrinas e Catrins. Após alguns dias na capital, parti a Oaxaca, região que abriga muitas das tradições do país, seus ritos e gastronomia. Foi na terra de Frida Kahlo o meu primeiro contato com os cemitérios mexicanos.
Crêem os mexicanos que naquelas noites as almas de seus entes regressam e visitam os vivos. Fotografias e objetos servem como guia e incenso purifica o caminho. Ao chegarem, uma festa os espera: comida, flores, mariacchis e mezcal aquecem e animam as madrugadas frias de outono. Túmulos amorosamente ornados, ao redor dos quais famílias se reunem num misto de saudade, emoção e alegria. Oram, conversam, cantam, comem, bebem e recordam. Olhos marejados observam o movimento de turistas e equipes de TV a admirar e registrar a celebração.
Me vi em um solo sagrado, em meio a uma tradição secular fruto de sincretismo cultural e religioso. Perguntei a algumas pessoas se elas realmente crêem no retorno das almas naqueles dias e a resposta foi unânime: sim! “E quem não voltaria?”, penso eu. Algo lindo assim não se pode perder.
Lá se vão 3 anos. E sigo voltando…
Por Bete Marques
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